sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Já há uns meses que não se sentia bem..fisicamente. Começou com um ardor na garganta, no estômago, não tinha vontade de comer,a comida caia-lhe mal. náuseas...foi à médica...tomou uns comprimidos para o estômago. Não passou. Fez mais uns exames, em princípio não tem nada. Ao longo destes meses tem vindo a desenvolver uma espécie de medo de morrer, já sentiu dezenas de sintomas... Há um ano atrás não sentia nada disto...
A ansiedade silenciosa é algo que vai minando...
Aparentemente é uma pessoa calma e equilibrada. Por dentro sente uma espécie de realidade aumentada de sensações e sentires. Há um mês teve um ataque de pânico, a mente dela dizia-lhe que ia acontecer alguma coisa e ela rendeu-se aqueles pensamentos e claro começou-se a sentir mal, muito mal. Passado uns dias foi à médica de família que lhe receitou um antidepressivo para a ansiedade, um tratamento durante uns meses.. tomou durante uns dias, começou-se a sentir/ ou a não se sentir e decidiu parar. Toma já há uns meses um comprimido à noite que a ajuda a adormecer. Se estiver mais ansiosa pode tomar um calmante.

Isto tudo para dizer que decidiu procurar outras alternativas. Começou a fazer psicoterapia, está a gostar,  e realmente há alguns motivos para estar assim. A psicóloga é perspicaz, é bom alguém compreender aquilo que sentimos. Às vezes por mais proximidade que se tenha com a família, não se consegue chegar aí. Às vezes é melhor uma visão mais periférica. Detectou nela um padrão, não criar raízes em lado nenhum. Poder criar raízes, mas optar pelo novo e desconhecido. E tem sido assim, de facto. Já teve algumas oportunidades para ficar, e sente-se abençoada por isso, mas depois é como se ficar não fizesse sentido nenhum. E lá vai ela em busca do sonho e às vezes a arriscar demasiado. Até hoje não se sentiu arrependida em nenhuma das situações, às vezes são as consequências que custam mais. Mas foram todas decisões muito pensadas e que a fizeram chegar a outros lugares.

E como tudo é uma aprendizagem, todas essas vivências não foram em vão, por mais sofrimento às vezes que tenham trazido. Dizem que de x em x anos as pessoas se transformam interiormente. Acho que 2013 é esse ano para mim. Sem dúvida que me sinto muito mais rica.

Sinto-me uma pessoa muito mais espiritual, tenho aprendido algumas coisas interessantes em sessões de meditação, tenho lido coisas que fazem muito sentido para mim neste momento. Não gosto de rótulos, nem de convicções muito vincadas visto que tudo muda, nós e o que está à nossa volta. Não tenho religião nem partido político, como diz o maior autor para mim de escrita portuguesa, um senhor chamado Pedro Paixão, que diz como só ele [um à parte]. Mas ultimamente descobrir o Budismo faz algum sentido para mim. E tudo reside na forma em como vemos o mundo e é sempre bom, vermos as coisas por pessoas e realidades diferentes.

A cultura em que nascemos, crescemos e vivemos condiciona-nos muito mais do que pensamos e realmente olharmos de outras perspectivas chega a ser muito "iluminador", [e isto é escrito com algum humor]. A sociedade vai-nos moldando, na nossa infância, educação não nos é apresentado o sofrimento, embora ele exista. Crescemos a ver filmes  e a ouvir histórias de finais felizes e depois crescemos mesmo a acreditar nisso.

Na minha infância, a única percepção que tive da morte de alguém, foi quando os meus bisavós faleceram. E lembro-me desse dia em que as crianças, eu e os meus primos, andavam a brincar lá fora, á volta da casa, mas não era permitido entrarmos em casa ( onde estava a ser realizado o velório). Não tenho bem a percepção do sofrimento, pois não tive acesso a ele. Lembro-me agora de espreitarmos às janelas, sem sabermos muito bem o que se estava a passar. E não estou com isto a atribuir qualquer tipo de culpa na educação que tive, nada disso. Faz parte. Está intrínseco na nossa cultura e os nossos pais fazem tudo para nos proteger, assim como os pais deles fizeram.

Dou por mim a falar na primeira pessoa do singular e já há algum tempo que me sentia a fazer esta mudança. Falar na primeira pessoa é também assumir-me, despir-me, libertar-me. Uma libertação que só nós podemos fazer. E tudo fica mais simples.


Quando comecei a escrever este " agora testamento" tinha intenção de despejar um pouco de dor, tomar um terno Xanax e anular-me na noite. E esperar pelo amanhã que decerto será mais doce. Mas depois de ter falado de tanta coisa e de nada e ainda  haveria tanto por dizer, já não vou tomar o Xanax porque já não quero apagar. Escrever ajuda na maioria das vezes, liberta. Outras vezes, como tem acontecido nestes últimos meses, escrever pode ser imensamente doloroso, quase dilacerante. E temos que respeitar os nossos próprios tempos.


Neste momento, sinto que já estou a caminho de algo. Já não me sinto tão perdida, tão 'lost in translation'. Na realidade, tenho-me apaixonado por cada recanto desta cidade em que vivo agora e que começo a sentir minha. Sinto-me a enraizar aqui, embora isso não queira dizer que vá ficar por aqui. Mas é um sítio para voltar. Este meu paraíso começa-me a correr no sangue e a apaziguar o coração. Isto junto da pessoa que mais amo, a minha mãe.

Reflicto mais um pouco e realmente esse meu padrão de ficar pouco tempo, de ir passando pelos locais e pelas pessoas foi sempre essa necessidade de tentar preencher um vazio, que desde que me lembro vive em mim. Agora sinto que esse vazio se transformou, ou seja, comecei-me a aperceber que posso mudar de lugar mil vezes e esse vazio vai continuar sempre. Comecei-me a aperceber, e isto é muito recente, que se ficar serena e deixar o exterior fluir, o interior começa-se a transformar. E preencher o vazio deixa de fazer sentido. Nós mudamos interiormente e aquilo que nós vemos também muda. Mas claro, isto não é uma receita e só começa a funcionar quando nos permitimos que tal aconteça. E durante muito muito, muito tempo foquei-me em algo que me parecia certo naquele estado e nem sequer tentei ver de outra perspectiva, pois estava demasiado 'certa' que tinha que preencher aquele vazio.

Todos os dias são uma aprendizagem e é disso que gosto realmente na vida. Sinto-me abençoada por tudo. Um dia de cada vez, um passo atrás do outro e às vezes voltar para trás para poder andar para a frente.

Ando a ler um livro que ofereci à minha mãe há uns anos, por achar que ela sofria muito para dentro e que talvez o livro pudesse ajudá-la a lidar/transformar essa dor. E agora serve também para mim. O livro chama-se A Alquimia da dor (Conselhos budistas para transformar o sofrimento) de Tsering Paldrön.

À primeira vista, não é aquele livro que se retire da prateleira da loja e se leia, pois a dor e o sofrimento são estados que se sentem e se abafam, se guardam, apesar de serem tão comuns. O que vou lendo deste livro faz-me ver as coisas de outra perspectiva. Por vezes centramo-nos tanto em nós próprios que perdemos a visão geral das coisas. E realmente nós somos os outros e estamos aqui só de passagem, e tudo o que acontece é passageiro, e nós apenas damos demasiada importância a coisas que...já passaram. Enfim, estou a aprender muito. Recomendo esta leitura a quem conseguiu chegar até aqui :)


1 comentário:

  1. seu texto passa uma sensação muito boa, como uma onda suave num mar calmo... espero que essa onda te embale mais e mais! me interessei pelo livro, mas não achei nas livrarias online daqui... vou continuar procurando!

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